terça-feira, 29 de maio de 2012

Perspectivas sobre o aleitamento materno

"Ainda tens leite?"
Esta é a segunda frase mais ouvida - logo a seguir de "mas ela ainda mama?" - assim que as pessoas percebem que ainda amamento a minha filha, hoje com 3 anos e quase 3 meses.
A minha resposta é quase automática e já nem penso no que estou a dizer: "sim, enquanto houver estímulo, há produção" [bocejos] blá, blá, blá...
Geralmente a conversa pára por aqui ou há mais umas perguntas curiosas: "o teu leite ainda é bom?", "ela não está só a chuchar?", "até quando vais dar de mamar?", "mas ela não te morde?"; ou ainda outras mais à frente: "isso ainda presta para ela?", "não achas que estás a criar dependência?", "não achas que isso a pode traumatizar?"...
E comecei a pensar no que leva mulheres, adultas inteligentes do sexo feminino, a perguntarem todas estas questões... Mas neste post vamos ficar pelo "ainda tens leite?".
Há 100 anos atrás, aliás, há 50 anos atrás, quase todas as mulheres tinham a resposta a esta questão sem nunca terem estudado este assunto. Então o que mudou?
Na minha opinião foi a nossa percepção deste assunto. Enquanto há 50 ou 100 anos atrás era comum:
- as mães aleitarem os seus filhos, especialmente em meios rurais ou com menos possibilidades
- as tias ou vizinhas ou primas aleitarem os filhos umas das outras, sendo porque a mãe não estava disponível ou por estar doente ou já não ter leite
- haver amas-de-leite (i.e., mulheres, geralmente criadas ou mesmo escravas que aleitavam a criança quando a mãe não estava disponível ou não estava para isso ou já não tinha leite)

Ou seja, o quadro normal era o aleitamento e a idade de desmame era geralmente entre o 1º ano e o 3º ou 4º anos de vida. O normal era apanhar uma tia ou prima ou irmã ou mãe ou criada a aleitar uma criança - não digo em cada canto da casa, mas pelo menos muito mais do que agora. O normal era as mulheres apoiarem-se nesta actividade, arranjando soluções e não problemas. Hoje em dia a maior parte das mães remetem o assunto para "o pediatra", que muitas nem fazem ideia que não teve formação específica em aleitamento materno, ou quando a teve, foi superficial. E lamento dizê-lo, a maior parte deles não se informa ou actualiza em relação a este assunto (basta ver o nº de pediatras que desconhece as recomendações da OMS para o aleitamento materno: 6 meses em exclusivo e até aos 2 anos de idade em complementariedade com outros alimentos; e as tabelas específicas de percentis para bébés amamentados).

Há 50 ou 100 anos havia um grupo de suporte e uma informação generalizada muito específica e restrita neste sentido (suponho que só as mulheres casadas ou com filhos falassem sobre o tema), que tornava a coisa quase que intuitiva e banal. Tão banal que possivelmente ninguém se lembraria de escrever sobre isso para deixar um registo para a posteridade. Uma sabedoria popular passada de geração em geração que facilitava e empoderava as mulheres a acreditar que aleitar era normal, necessário, benéfico e que, principalmente, que as mulheres eram capazes de o fazer.

Raramente havia dúvidas que não fossem esclarecidas. Não havia o que suscitasse dúvidas. Não havia:
- leites de fórmula ou biberons (ou então eram muito caros).
- médicos pediatras (que têm uma cadeira sobre amamentação no curso de Medicina mas que depois saem cá para fora e recebem folhetos e incentivos sobre os benefícios dos leites artificiais, que depois estão expostos nos seus gabinetes na forma de canetas, blocos ou folhetos).
- publicidade a chupetas, biberons e leites artificiais "quase tão anatómicos e bons quanto o peito da mãe"
- trabalho por conta de outrém para a grande parte das mulheres casadas com filhos, o que facilitava e maximizava o tempo em conjunto com a criança.

Hoje em dia não é preciso retornar a essa vivência na íntegra para conseguir manter o aleitamento. O que é necessário é 1) não ter vergonha de pedir ou aceitar ajuda; e 2) disponibilizar mais informação e apoio sobre o tema: grupos de mães; informação nas maternidades, hospitais, centros de saúde; formação de CAM's a pediatras; restringir o tipo ou conteúdo ou local de publicidade de marcas de leite artificial, etc., etc.

Parabéns a todas as mães que se informaram e aleitaram os seus bébés :) (e às vezes, os dos outros também!)

1 comentário:

Susana Andrade disse...

Parabéns pelo post,. gostei