No dia em que fazia 6 semanas de gravidez, uma gravidez muitíssimo desejada após 2 perdas gestacionais (ambas detectadas nas ecografias das 12 semanas, quando geralmente as grávidas respiram de alívio...)
Tinha feito análises - de resultado ambíguo -, tinha feito exame patológico ao 2º bébé (desculpem, não lhes chamo fetos, porque para mim já eram os meus bébés). Não havia explicação. E agora isto, sem antecedentes familiares conhecidos de ambos os lados, sem qualquer tratamento de fertilidade... Gémeos!
A primeira reação foi de pura felicidade! Os seus coraçõezinhos piscavam dentro daqueles feijõezinhos no monitor do ecógrafo e eu só me consegui rir à gargalhada. Que peça do destino, tirar-me assim dois bébés de seguida, mas devolver-mos de uma assentada! Depois, o pânico: como iria ser esta gravidez? ainda por cima com os meus antecedentes? conseguiriam sobreviver? um? ambos? como iria ser o parto? como iria amamentar? como as/os iria criar?
Eu que nunca tinha tido nem um irmão ou visto um bébé por mais de uma tarde antes de ter a minha primogénita (que ficou em êxtase quando lhe dissemos que ia ter não um, mas dois bébés!), como iria gerir tudo isso?
E basicamente estes dois parágrafos resumem a minha gravidez: oscilando entre estados de nirvana de alegria e pavor do porvir...
A internet e as consultas médicas também não ajudavam muito. A primeira informação que me apercebi é que "gémeos = ALTO RISCO". Em todo o lado, informação sobre as patologias, sobre os problemas que podem advir de uma gravidez gemelar, para a mãe, para os bebés, etc. Amigas que tinham tido gravidezes gemelares a dizer que corre tudo bem, mas "o médico é que sabe"... a mesma coisa para as trombofilias... a informação é pouca, os estudos escasseiam, e "temos que confiar"... Juntei-me a alguns grupos de mães de gémeos, para tirar dúvidas, partilhar receios... mas encontrava mais conversas sobre o enxoval e o quartinho do que sobre a gravidez em si... E quando havia questões relacionadas, as respostas eram invariavelmente as mesmas: "vai ao hospital ou liga ao teu médico. Ele é que sabe". Não me interpretem mal. Acredito que eles realmente saibam muita coisa, mas torna-se um bocado estranho quando a grávida passa mais tempo a escolher o tom de rosa com que vamos pintar o quarto ou o tipo de renda para as baínhas dos vestidos, do que propriamente a saber o que se passa com o nosso corpo.
A primeira médica que me viu ficou em pânico. Tinha consulta fortuitamente, ao 4º dia de falta da menstruação. Nessa manhã fiz um teste de urina e... deu um positivo fraquinho! nessa altura nem sonhava que eram 2). Depois de lhe ter explicado o meu quadro clínico, ela só me disse: "espero que não me diga agora que está grávida!" (exactamente o que uma recém-grávida nervosa precisa de ouvir, não é?). Mandou-me fazer uma bateria de exames. Alguns valores vieram alterados. Na consulta seguinte falou-me em biópsias e coisas que tais. Entrava sempre na consulta uma grávida alegre e saía de lá a sentir-me uma doente terminal. Às 6 semanas, o Jackpot! Palavras da médica: "um dos fetos está muito perto do colo do útero. Não fique com muitas esperanças porque esse não deve sobreviver". Não fosse eu uma mãe de várias viagens, e teria saído aterrorizada da consulta. A sério? quando é que às 6 semanas, o feto não está perto do colo? ainda mal se implantou... Não sei se era uma técnica dela para eu não criar muita expectativa mas sinceramente fiquei a pensar que os profissionais de saúde deveriam fazer cursos mandatórios de "people skills".
Felizmente que eu às 8 semanas lhe liguei e avisei que ia passar a ser seguida num hospital público, ao que ela aliviada suspirou "Ai ainda bem! Eu ia-lhe recomendar isso mesmo se a gravidez chegasse às 12 semanas". :P
E lá fui eu. Comecei a ser seguida no grupo do Alto Risco, na consulta de gémeos. Logo o nome é intimidante. Alto risco. Risco já nós corremos todos os dias. Mas Alto? E quão alto? Felizmente os profissionais eram muitíssimo mais descontraídos e experientes e dissiparam as minhas dúvidas: nova eco confirmou a gravidez gemelar, ambos muito bem implantados. Análises perfeitamente normais: os valores alterados deviam-se precisamente ao facto de serem gémeas. Só chateava era mesmo o atendimento... numa consulta marcada com semanas e às vezes meses de antecedência, no dia, chegando a horas, esperavam-se longas horas naquelas cadeiras de plástico rígido ou em bancos corridos de madeira. Primeiro para a consulta de enfermagem, e depois para ver a médica. Na altura eram duas, uma mais aberta a novidades que a outra. Perguntava-lhe sobre os valores das análises, sobre os suplementos e as alternativas, trazia-lhe livros e artigos sobre o tema. Elas remetiam para o protocolo. Mas às vezes ficavam muito interessadas no que lhes trazia/dizia.
Depois o tema do parto - e foi aí que se tornou mais interessante - se não nascessem até às 37 semanas, tínhamos que marcar cesariana. E parto natural só se a primeira bebé estivesse de cabeça. E tinha que ser no bloco operatório. E o pai não podia assistir.
COMO???? por momentos pensei que tivesse ouvido mal. Como tinha que ser no bloco? como o pai não pode assistir? É protocolo e... é protocolo. "Já viu se alguma coisa corresse mal?" e "Já viu se os outros pais soubessem e também quisessem entrar?".
Estava-me lixando para os outros pais. Queria o meu marido, o meu acompanhante comigo. E correr mal? por isso é que vim para o hospital... Qual o risco de algo correr mal? a percentagem mesmo. E se algo corresse mal, quanto tempo demoravam a levar-me de um dos quartos de dilatação para o bloco? seria assim tanto tempo?
Cá fora a vida continuava e entre as peripécias da filha e da sua escolinha, o marido adoeceu e ficou internado. Tive que me desdobrar e o meu colo ressentiu-se com isso. Às 32 semanas estava com muitas contrações sem dor (Braxton-Hicks) e um colo curto e a afunilar. Repouso absoluto. Talvez injecções de esteróides para amadurecer os pulmões dos bebés caso chegassem mais cedo.
Portei-me bem e mantive-me quietinha. Depois comecei a ler e a ter acesso a um grupo de maternidade natural de gémeos (internacional) e comecei a ficar mais descansada. Afinal aquele colo não era "curtíssimo"... era só curto. E para parar as contrações, era só manter-me bem hidratada que possivelmente resolvia. Partos pélvicos de gémeos, partos domiciliares, partos em casas de parto, partos em hospital mas numa sala de ambiente acolhedor com todos os acompanhantes que quiséssemos: tudo possível. E eu perguntava-me: então e os riscos? serão todos doidos ou na verdade, estes partos mais raros, e sim, com algum risco acrescido, não são na realidade tão "arriscados" como no-los querem vender?
O que é verdade é que há medidas para minimizar esses riscos, como ter uma equipa experiente, com vários elementos, que apoia e monitoriza a parturiente e os bebés durante o processo. E, na maioria das vezes corre bem. Às vezes lá há uma mamã que precisa de uma cesariana, ou um bebé ou os dois que precisam de ajuda na unidade de cuidados intensivos (mas mais por precaução que por outro motivo), mas de resto é fazível.
O que é preciso é normalizar o raro. As pessoas confundem raro com risco. E isso nem sempre é verdade, e a ser, esse risco nem sempre é grande na proporção que nos querem fazer pensar que é.
Primeiro há que perceber de que tipo de gravidez gemelar se trata: bicoriónica-biamniótica (i.e. placentas e sacos amnióticos independentes para cada bebé), monocoriónica-biamniótica (i.e. uma placenta para ambos os bebés mas estes estão em sacos diferentes), e finalmente monocoriónica-monoamniótica (ou seja, os bebés partilham uma só placenta e um só saco amniótico).
A que tem menor chance de riscos acrescidos é a bi-bi, seguida da mono-bi, seguida da mono-mono, porque nesta última os bebés partilham tudo e um deles pode vir a ser mais alimentado que outro ou de se enrolarem nos cordões um do outro, enquanto que na primeira cada um tem a sua fonte de alimento e o seu casulozinho.
A mulher geralmente ganha muito mais peso e volume, tem que se alimentar melhor (o que é uma chatice porque o estomago fica apertadinho e quando deixamos de ter enjoos passamos a ter azia :P Eu pessoalmente tive dores na zona púbica e sentia dor física ao andar a partir dos 5-6 meses de gestação. Andava à pata choca e para me sentar e levantar era preciso um guindaste e ficar de perna aberta. A minha pele da barriga estriou bastante mas não sei se os cremes teriam resolvido isso. As análises sempre estiveram óptimas e embora haja a noção que há mais risco de diabetes gestacional, isso não se verificou no nosso caso.