terça-feira, 18 de maio de 2010

Quando a escola é em casa...

por Gabriela Oliveira e Eduarda Sousa.

Há famílias que optam por ensinar os filhos em casa, sem a obrigação de cumprir horários e currículos rígidos. A lei portuguesa reconhece aos pais o direito de educarem os próprios filhos e a modalidade do ensino doméstico está a ganhar adeptos. A nm mostra o dia-a-dia de quatro famílias e dá conta das motivações que as levaram a assumir as rédeas do ensino nos primeiros anos de escolaridade. Alexandre, Catarina, Ísis, Merlin e Malte não escutam o toque da campainha para entrar ou sair da sala de aulas. Aprendem «ao ritmo da vida».

(...)

Movimento crescente

O ensino doméstico ainda causa estranheza e são poucos os que conhecem o direito de educar os filhos em casa. Se é certo que o ensino é obrigatório a partir dos 6 anos de idade, o mesmo não se aplica à frequência da escola. A «liberdade de aprender e de ensinar» está consignada na Constituição Portuguesa e, pelo menos, desde 1949 que alguns diplomas regulamentam esta modalidade, a par do ensino individual. A lei define o ensino doméstico como «aquele que é leccionado no domicílio do aluno, por um familiar ou por pessoa que com ele habite». Distingue-se do ensino individual em que a criança tem aulas com um professor, noutro espaço que não a escola, no máximo com mais três colegas.
Não são muitas as famílias que arriscam, mas nos últimos anos o número de crianças a frequentar o ensino em casa tem vindo a aumentar, principalmente nos primeiros anos de escolaridade. Este ano lectivo, estão inscritos 75 alunos em ensino doméstico e individual, quando no ano lectivo anterior eram 67 e apenas 44 no ano lectivo de 2007/2008, de acordo com os dados fornecidos pelo Ministério da Educação. Estes dados não espelham as entradas e saídas, isto é, o número de alunos que de um ano lectivo para outro transitam do ensino doméstico e individual para o ensino formal, ou vice-versa, pelo que o número de crianças envolvidas é superior. Também não estão incluídos os dados relativos à Madeira e Açores. A prática do ensino doméstico e individual não é uma novidade. Na realidade, a tradição de ensinar em casa tem uns largos séculos e antecedeu a criação das escolas e da escolaridade obrigatória. Em muitas zonas do país, há ainda quem se recorde de ter tido essa experiência na infância, quer de um modo organizado ? como sucedia nas famílias abastadas que contratavam um tutor ? quer de um modo informal, no seio da comunidade onde as crianças aprendiam «os números e as letras» a par dos ofícios que teriam de exercer. A primeira lei do ensino obrigatório surgiu em plena Revolução Industrial, em Massachusetts, nos Estados Unidos, com a intenção de acabar com a exploração das crianças. Mas o verdadeiro movimento do ensino doméstico, tal como o conhecemos hoje, só aparece na década de 1960 e teve como um dos principais impulsionadores o pedagogo John Holt.
É possível praticar legalmente o ensino doméstico em vários países. Os maiores movimentos de apoiantes encontram-se na Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados Unidos. Há uma intensa discussão sobre o tema em países como o Brasil, Alemanha e Grécia, onde a modalidade é proibida. O sistema português, comparado com outros que admitem o ensino doméstico, é considerado «flexível» e «aberto», embora haja diferenças nas exigências reclamadas por cada estabelecimento de ensino.

Ir à escola ou não
Se apresenta algumas vantagens em relação à aprendizagem nas escolas, o ensino doméstico também comporta alguns «mas». Uma das maiores críticas apontadas é a aparente falta de socialização das crianças que podem passar muito tempo em casa. Contudo, este argumento é rebatido: «As crianças que passam os dias fechados nas escolas também têm uma socialização deficitária, convivem apenas com crianças das mesmas idades e, muitas vezes, dos mesmos estratos sociais, quando o desejável seria contactarem com pessoas de idades, profissões e estratos diferenciados», defende o psicólogo Vítor Rodrigues. «Em vez de um contacto de manada, as crianças em ensino doméstico podem usufruir de um contacto mais intenso e profundo com alguns pares, reforçando ao mesmo tempo os laços com a família.»
Outro reparo apontado é a possível confusão de papéis filho-aluno, pai-professor, que pode atrapalhar a aprendizagem, e a preparação insuficiente dos pais para ensinar todas as matérias. No entanto, Vítor Rodrigues lembra que «existe uma tradição gigantesca na transmissão de conhecimentos aos filhos» e que o ensino doméstico vem «contrariar a tendência crescente da demissão e do desinteresse dos pais pela educação dos filhos, que são entregues às escolas logo desde muito cedo, e que tem tido efeitos perversos». Embora não seja adequado a todas as crianças e famílias, o ensino em casa permite explorar formas alternativas de aprendizagem e pode dar resposta a situações de inadaptação à escola.
Que impacte poderá ter este tipo de ensino? Em Dezembro de 2009, o Centro Canadiano do Ensino Doméstico publicou o estudo Fifteen Years Later: Home-Educated Canadian Adults que derruba alguns receios. Partindo de um estudo de 1994, os investigadores seguiram centenas de crianças canadianas educadas em casa para determinarem os resultados que esta modalidade teria nas suas vidas adultas. Em relação aos pares que frequentaram escolas tradicionais, os adultos educados em casa são actualmente mais activos e estão mais envolvidos na comunidade. Também não revelam desvantagem no mercado de trabalho, estando a exercer as mais variadas profissões, como se pode ler na edição online do jornal The Washington Times.
«Agradar aos professores, obter boas notas por causa dos pais, ou competir para se sentir superior aos colegas» são motivações dadas aos alunos nas escolas para se tornarem bons alunos. «A longo prazo, qualquer destas motivações ensina que aprender não é, em si mesmo, algo que valha a pena, a menos que exista qualquer tipo de recompensa final», reflecte Ana Ferreira no blogue Ensino Doméstico (http://ensino-domestico.blogspot.com/). Talvez a marca distintiva do ensino doméstico seja essa: a capacidade de despertar a curiosidade e o gosto de aprender pelo prazer de aprender. Individualmente, em pequenos grupos ou nas escolas, a aprendizagem é crucial e ninguém duvida que o conhecimento que realmente perdura não é o que vem «enlatado» nos manuais mas aquele que é «tocado, sentido e interiorizado». Para lá se chegar, há mais do que um caminho.

Como requerer
Para solicitar o ensino doméstico, os passos a dar são idênticos aos que precedem o ingresso no ensino regular, com a inscrição da criança numa escola da zona de residência. Como o encarregado de educação assume a função de tutor e é responsável pela avaliação do aluno, tem de entregar comprovativo das habilitações mínimas exigidas. Para ensinar os filhos até ao 4.º ano, basta ter o diploma do ensino secundário e, de um modo geral, os pedidos são aceites. É possível requerer o ensino doméstico até ao 12.º ano, à excepção dos Açores, onde apenas é permitido até ao final do 1.º ciclo de escolaridade. Conforme as escolas e as Direcções Regionais de Educação a que estão afectas, poderá ser exigida a entrega trimestral de fichas de trabalho, de acordo com o programa curricular, ou apenas um portfólio no final de cada ano lectivo. Os alunos terão de fazer testes presenciais para poderem transitar para o 2.º ciclo e seguintes, bem como as provas nacionais.

Ler toda a entrevista aqui.


1 comentário:

Daisy disse...

Olá Moya,

deixo aqui o meu primeiro comentário depois uma visita breve (a sua moyinha é linda, crescem tão depressa as crianças! ainda no outro dia a minha mãe me dizia que tinha muitas saudades desses tempos)ao seu blogue.

A 1ª vez que ouvi falar do ensino em casa, home schooling nos US, foi através de um médico de medicina alternativa (www.drbenkim.com) que sigo religiosamente, pois além das receitas que tem (as sopas são deliciosas!ja´as experimentei todas), é um médico que partilha o conhecimento que tem connosco e eu partilho da visão dele sobre a nossa saúde, prevenção e não cura da doença. Um dia, num dos artigos dele, ele abordou esta questão, pois ele tem 2 filhos (a esposa teve ambos de parto natural, em casa) e estavam a pensar em aderir ao ensino doméstico. Para minha grande surpresa, os comentários ao artigo eram quase todos a favor e vindos de pessoas que praticavam este método de ensino há vários anos.
É bom saber e sentir que existe uma mentalidade a mudar,a tornar-se mais expansiva, e que as pessoas estão a procurar outras alternativas para a educação dos filhos, dizendo assim que o sistema educacional precisa de ser revisto e alterado.
É mais uma esperança, e para os pais que podem (tantos de nós que têm capacidades para o fazer) devem lutar por isso.

Um abraço,
Susana M.