domingo, 1 de abril de 2012

Mais uma voltinha, mais uma viagem! [degladiação entre Ordens relativamente ao parto domiciliar]

Ai meu Jesus Cristinho!
[Achei que era um termo adequado visto estarmos na época Pascal e o próprio Senhor ter nascido num parto não-hospitalar - não posso dizer domiciliar visto que ou foi num estábulo ou numa gruta - e se calhar foi isso que o safou da morte, porque pelos vistos os partos domiciliares matam inocentes... Os dos hospitais nem por isso, certo?... ah... ups, afinal situações inesperadas e incontroláveis ou erro profissional até há em qualquer local!!!]

Reportagem no Jornal da Noite da RTP, minuto 18:30 a 25:00, 1 Abril 2012, (e não, infelizmente não é mentira):
http://www.rtp.pt/play/index.php?tvprog=1103&idpod#/?tvprog%3D1103%26idpod%3D75023%26fbtitle%3DRTP%20Play%20-%20TELEJORNAL%26fbimg%3Dhttp%3A%2F%2Fimg.rtp.pt%2Fmultimedia%2Fscreenshots%2Ftelejornal%2Ftelej_1_20120401.jpg%26fburl%3Dhttp%3A%2F%2Fwww.rtp.pt%2Fplay%2F%3Ftvprog%3D1103%26idpod%3D75023

Mantenho os updates das novidades relativamente ao recente debate sobre o parto em casa (ou diria, entre as competências de enfermeiros vs médicos, de acordo com os comunicados que têm saído).
Sinceramente, agora é que os sorrisos amarelos começam todos a apagar-se e as pessoas se chegam à frente com o que realmente pensam. Esta é a parte podre da questão, em que toda a gente ralha mas ninguém tem razão. Em que o que quer que se diga não vai trazer os bébés mortos de volta ou apagar o sofrimento das famílias (em casa ou no hospital), mas é algo que é preciso tirar da frente para se começar a pensar e trabalhar na solução. ASAP!

Durante a reportagem surgem nºs: 99123 nascimentos hospitalares vs 854 no domicílio (será que incluem todos os que nasceram fora do âmbito hospitalar?). Destes, houve 162 mortes em contexto hospitalar vs 5 em ambiente domiciliar [e destes 5, quantos foram assistidos por profissionais credenciados?]. O que dá, em AMBOS OS CASOS, menos de 1% de mortes no contexto do parto. Para ser mais precisa, 0.16% no contexto hospitalar e 0.59% no contexto do domicílio. [E por favor, Srs. Doutores, parem de comparar os partos domiciliares de hoje com os que se faziam há 50 anos... Hoje em dia os enfermeiros que os assistem têm muito mais formação, informação e tecnologia acessível, pelo que não é possível compará-los ou apelidar o parto domiciliar de "retrocesso" ou "regresso à Idade Média"]. Claro que para quem perdeu um filho ou a mãe desse filho num parto, seja em que local for, estes números são irrelevantes. São números. Não interessam.
Mas se formos ver, não estão assim tão distantes, e quem sabe não melhorariam com algumas SIMPLES ALTERAÇÕES à forma como é tratado o parto no domicílio em Portugal... Se é um direito dos pais escolher o local do parto, se até sai mais barato para o Estado, porque não criar as condições para que ele possa ocorrer em (mais) segurança??? E sem tabus, sem ocultações, sem discriminação. Aceitar que há pessoas para as quais isto faz sentido e mais: criar condições nas próprias instituições para que os casais possam não ter que recorrer ao domicílio por não se sentirem seguros e respeitados no hospital por práticas muitas das vezes desactualizadas e rotineiras!
Querem acabar/reduzir com o parto em casa? Sigam as recomendações da OMS para a assistência ao parto normal, e reduzam o nº de cesarianas dos actuais 33% para os 15% recomendados, criem casas de parto, e vão ver como os os partos em casa passam para metade ou menos...

Nesta troca de setas, em que o parto em casa está a ser o alvo numa guerra que envolve medidas de forças entre 2 classes profissionais, esta "jovem cidadã indefesa" e, pelos vistos "sem senso", deixa mais uma nota relativa a esta questão por parte do Colégio de Pediatria:
https://www.ordemdosmedicos.pt/index.php?lop=conteudo&op=ed3d2c21991e3bef5e069713af9fa6ca&id=7cc532d783a7461f227a5da8ea80bfe1

«A Direcção do Colégio de Pediatria, tomou conhecimento com a maior perplexidade e estupefacção da mensagem do Senhor Bastonário da Ordem dos Enfermeiros defendendo os partos em casa assistidos por enfermeiros.
Sem prejuízo de uma posição mais fundamentada a tomar em conjunto com os Colégos de Ginecologia e Obstetrícia e de Neonatologia e com as Sociedades Científicas relacionadas com esta área, queremos, no entanto, desde já, manifestar uma primeira reacção perante um tema que merece uma resposta enérgica e incisiva
Não queremos questionar a grande qualidade profissional dos enfermeiros portugueses, que testemunhamos diariamente e da qual também nós nos orgulhamos pois está ao nível dos melhores padrões europeus. Também não duvidamos da elevada competência dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica e da sua capacidade em prestar assistência a partos normais sob supervisão médica, como sucede diariamente nos nossos hospitais. Precisamente porque conhecemos a capacidade profissional e o sentido de responsabilidade dos nossos enfermeiros, estranhamos esta posição tão despropositada do seu Bastonário. Sabem com certeza os senhores enfermeiros especialistas em Saúde Materna e Obstétrica que, no decurso de um parto inicialmente normal, podem ocorrer situações imprevistas, por exemplo entre outras, um prolapso do cordão ou um descolamento de placenta, que fora de ambiente hospitalar não podem ser resolvidas. Talvez por esse motivo, os enfermeiros que se aventuram a assumir a assistência aos partos no domicílio, para sua defesa, exijam aos pais que assinem um termo de responsabilidade, para o caso de surgirem complicações.
Deixamos que os colegas do Colégio de Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia, comentem, caso o desejem, a qualificação destes enfermeiros especialistas como “os profissionais de saúde melhores qualificados em Portugal para assistir ao parto normal e não trabalham sob supervisão médica” como pomposamente proclama o seu Bastonário.
Pela nossa parte, como pediatras, podemos garantir que por muito competentes que sejam, e não duvidamos que muitos o serão, não têm capacidade técnica para uma avaliação clínica autónoma do recém-nascido. Mesmo o melhor pediatra neonatologista no Mundo, poderá não ter condições, num parto no domicílio para resolver algumas situações imprevistas, que seriam facilmente solucionáveis atempadamente em meio hospitalar.
Temos hoje em Portugal uma das taxas de mortalidade neo-natal mais baixas do mundo, o que se deve em grande parte ao enorme esforço de acabar com a realização de partos nos domicílios e nos hospitais sem condições e à criação de unidades de neonatologia nos hospitais de referência.
Para que o parto em casa pudesse ser uma opção admissível, em certos casos, seriam necessários meios logísticos muito sofisticados e dispendiosos, para nós incomportáveis, para apoio assistencial ao domicílio e transporte medicalizado atempado dos recém-nascidos e grávidas com problemas inesperados. Saliente-se que nos poucos países onde existe essa prática, a mortalidade perinatal é superior à nossa.
Na nossa opinião, esta campanha em favor dos partos no domicílio, para além de um retrocesso, representa um enorme risco nas condições actuais do nosso país não só para as grávidas, como certamente reconhecerá o Colégio de Ginecologia e Obstetrícia, como para os recém-nascidos, cuja saúde, bem estar e direitos nunca nos cansaremos de defender.
Solicitamos aos órgãos dirigentes da Ordem dos Médicos que tomem nesta matéria uma posição firme e esclarecida em favor destes jovens cidadãos indefesos e em favor do bom senso.
José Manuel Lopes dos Santos
Presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria»
[posição da Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos sobre Partos no Domicílio que é subscrita pela OM] --> se não fosse é que eu me admirava...

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