terça-feira, 3 de agosto de 2021

Estou grávida... de gémeos! e agora?

Foi o que pensei no dia 21 de Janeiro de 2014...

No dia em que fazia 6 semanas de gravidez, uma gravidez muitíssimo desejada após 2 perdas gestacionais (ambas detectadas nas ecografias das 12 semanas, quando geralmente as grávidas respiram de alívio...)
Tinha feito análises - de resultado ambíguo -, tinha feito exame patológico ao 2º bébé (desculpem, não lhes chamo fetos, porque para mim já eram os meus bébés). Não havia explicação. E agora isto, sem antecedentes familiares conhecidos de ambos os lados, sem qualquer tratamento de fertilidade... Gémeos!
A primeira reação foi de pura felicidade! Os seus coraçõezinhos piscavam dentro daqueles feijõezinhos no monitor do ecógrafo e eu só me consegui rir à gargalhada. Que peça do destino, tirar-me assim dois bébés de seguida, mas devolver-mos de uma assentada! Depois, o pânico: como iria ser esta gravidez? ainda por cima com os meus antecedentes? conseguiriam sobreviver? um? ambos? como iria ser o parto? como iria amamentar? como as/os iria criar?
Eu que nunca tinha tido nem um irmão ou visto um bébé por mais de uma tarde antes de ter a minha primogénita (que ficou em êxtase quando lhe dissemos que ia ter não um, mas dois bébés!), como iria gerir tudo isso?
E basicamente estes dois parágrafos resumem a minha gravidez: oscilando entre estados de nirvana de alegria e pavor do porvir...
A internet e as consultas médicas também não ajudavam muito. A primeira informação que me apercebi é que "gémeos = ALTO RISCO". Em todo o lado, informação sobre as patologias, sobre os problemas que podem advir de uma gravidez gemelar, para a mãe, para os bebés, etc. Amigas que tinham tido gravidezes gemelares a dizer que corre tudo bem, mas "o médico é que sabe"... a mesma coisa para as trombofilias... a informação é pouca, os estudos escasseiam, e "temos que confiar"... Juntei-me a alguns grupos de mães de gémeos, para tirar dúvidas, partilhar receios... mas encontrava mais conversas sobre o enxoval e o quartinho do que sobre a gravidez em si... E quando havia questões relacionadas, as respostas eram invariavelmente as mesmas: "vai ao hospital ou liga ao teu médico. Ele é que sabe". Não me interpretem mal. Acredito que eles realmente saibam muita coisa, mas torna-se um bocado estranho quando a grávida passa mais tempo a escolher o tom de rosa com que vamos pintar o quarto ou o tipo de renda para as baínhas dos vestidos, do que propriamente a saber o que se passa com o nosso corpo.
A primeira médica que me viu ficou em pânico. Tinha consulta fortuitamente, ao 4º dia de falta da menstruação. Nessa manhã fiz um teste de urina e... deu um positivo fraquinho! nessa altura nem sonhava que eram 2). Depois de lhe ter explicado o meu quadro clínico, ela só me disse: "espero que não me diga agora que está grávida!" (exactamente o que uma recém-grávida nervosa precisa de ouvir, não é?). Mandou-me fazer uma bateria de exames. Alguns valores vieram alterados. Na consulta seguinte falou-me em biópsias e coisas que tais. Entrava sempre na consulta uma grávida alegre e saía de lá a sentir-me uma doente terminal. Às 6 semanas, o Jackpot! Palavras da médica: "um dos fetos está muito perto do colo do útero. Não fique com muitas esperanças porque esse não deve sobreviver". Não fosse eu uma mãe de várias viagens, e teria saído aterrorizada da consulta. A sério? quando é que às 6 semanas, o feto não está perto do colo? ainda mal se implantou... Não sei se era uma técnica dela para eu não criar muita expectativa mas sinceramente fiquei a pensar que os profissionais de saúde deveriam fazer cursos mandatórios de "people skills".
Felizmente que eu às 8 semanas lhe liguei e avisei que ia passar a ser seguida num hospital público, ao que ela aliviada suspirou "Ai ainda bem! Eu ia-lhe recomendar isso mesmo se a gravidez chegasse às 12 semanas". :P
E lá fui eu. Comecei a ser seguida no grupo do Alto Risco, na consulta de gémeos. Logo o nome é intimidante. Alto risco. Risco já nós corremos todos os dias. Mas Alto? E quão alto? Felizmente os profissionais eram muitíssimo mais descontraídos e experientes e dissiparam as minhas dúvidas: nova eco confirmou a gravidez gemelar, ambos muito bem implantados. Análises perfeitamente normais: os valores alterados deviam-se precisamente ao facto de serem gémeas. Só chateava era mesmo o atendimento... numa consulta marcada com semanas e às vezes meses de antecedência, no dia, chegando a horas, esperavam-se longas horas naquelas cadeiras de plástico rígido ou em bancos corridos de madeira. Primeiro para a consulta de enfermagem, e depois para ver a médica. Na altura eram duas, uma mais aberta a novidades que a outra. Perguntava-lhe sobre os valores das análises, sobre os suplementos e as alternativas, trazia-lhe livros e artigos sobre o tema. Elas remetiam para o protocolo. Mas às vezes ficavam muito interessadas no que lhes trazia/dizia.
Depois o tema do parto - e foi aí que se tornou mais interessante - se não nascessem até às 37 semanas, tínhamos que marcar cesariana. E parto natural só se a primeira bebé estivesse de cabeça. E tinha que ser no bloco operatório. E o pai não podia assistir.
COMO???? por momentos pensei que tivesse ouvido mal. Como tinha que ser no bloco? como o pai não pode assistir? É protocolo e... é protocolo. "Já viu se alguma coisa corresse mal?" e "Já viu se os outros pais soubessem e também quisessem entrar?".
Estava-me lixando para os outros pais. Queria o meu marido, o meu acompanhante comigo. E correr mal? por isso é que vim para o hospital... Qual o risco de algo correr mal? a percentagem mesmo. E se algo corresse mal, quanto tempo demoravam a levar-me de um dos quartos de dilatação para o bloco? seria assim tanto tempo?
Cá fora a vida continuava e entre as peripécias da filha e da sua escolinha, o marido adoeceu e ficou internado. Tive que me desdobrar e o meu colo ressentiu-se com isso. Às 32 semanas estava com muitas contrações sem dor (Braxton-Hicks) e um colo curto e a afunilar. Repouso absoluto. Talvez injecções de esteróides para amadurecer os pulmões dos bebés caso chegassem mais cedo.
Portei-me bem e mantive-me quietinha. Depois comecei a ler e a ter acesso a um grupo de maternidade natural de gémeos (internacional) e comecei a ficar mais descansada. Afinal aquele colo não era "curtíssimo"... era só curto. E para parar as contrações, era só manter-me bem hidratada que possivelmente resolvia. Partos pélvicos de gémeos, partos domiciliares, partos em casas de parto, partos em hospital mas numa sala de ambiente acolhedor com todos os acompanhantes que quiséssemos: tudo possível. E eu perguntava-me: então e os riscos? serão todos doidos ou na verdade, estes partos mais raros, e sim, com algum risco acrescido, não são na realidade tão "arriscados" como no-los querem vender?
O que é verdade é que há medidas para minimizar esses riscos, como ter uma equipa experiente, com vários elementos, que apoia e monitoriza a parturiente e os bebés durante o processo. E, na maioria das vezes corre bem. Às vezes lá há uma mamã que precisa de uma cesariana, ou um bebé ou os dois que precisam de ajuda na unidade de cuidados intensivos (mas mais por precaução que por outro motivo), mas de resto é fazível.
O que é preciso é normalizar o raro. As pessoas confundem raro com risco. E isso nem sempre é verdade, e a ser, esse risco nem sempre é grande na proporção que nos querem fazer pensar que é.
Primeiro há que perceber de que tipo de gravidez gemelar se trata: bicoriónica-biamniótica (i.e. placentas e sacos amnióticos independentes para cada bebé), monocoriónica-biamniótica (i.e. uma placenta para ambos os bebés mas estes estão em sacos diferentes), e finalmente monocoriónica-monoamniótica (ou seja, os bebés partilham uma só placenta e um só saco amniótico).
A que tem menor chance de riscos acrescidos é a bi-bi, seguida da mono-bi, seguida da mono-mono, porque nesta última os bebés partilham tudo e um deles pode vir a ser mais alimentado que outro ou de se enrolarem nos cordões um do outro, enquanto que na primeira cada um tem a sua fonte de alimento e o seu casulozinho.
A mulher geralmente ganha muito mais peso e volume, tem que se alimentar melhor (o que é uma chatice porque o estomago fica apertadinho e quando deixamos de ter enjoos passamos a ter azia :P Eu pessoalmente tive dores na zona púbica e sentia dor física ao andar a partir dos 5-6 meses de gestação. Andava à pata choca e para me sentar e levantar era preciso um guindaste e ficar de perna aberta. A minha pele da barriga estriou bastante mas não sei se os cremes teriam resolvido isso. As análises sempre estiveram óptimas e embora haja a noção que há mais risco de diabetes gestacional, isso não se verificou no nosso caso. 
Tivemos o apoio de 2 doulas nesta gravidez, e bem que foi preciso para o meu cérebro "control-freak" delinear o plano A, B e C... 
Cheguei a contactar um enfermeiro parteiro mas o facto de ser uma gravidez gemelar com medicação para trombofilias, tornava o risco de complicações mais elevado do que o profissional estava disposto a correr. E nós concordámos. Cheguei a visitar o Hospital de Setúbal, onde ainda eram permitida a dilatação na piscina, mesmo para gemelares e com a vantagem de terem quartos privados para gémeos, mas em Julho de 2014 suspenderam essa opção de parto... juntei me na altura às Mães D'Água para lutar pelo direito à escolha dessa opção de parto (#umdia...) 
Tive um caso muito peculiar com um Hospital privado onde já tinha sido seguida várias vezes, e em que o Director do serviço se recusou a que me fosse marcada consulta de seguimento (fui lá às 11 semanas e só me responderam às 20 semanas quando fiz uma reclamação)... 
Fui a uma médica de outro Hospital privado, supostamente especialista em partos vaginais de gémeos, que às 26 semanas me disse que era "demasiado tarde" para me começar a seguir... 
Finalmente descontraí e pensei, o que for será... e as/os bebés (decidimos não saber o sexo até ao parto) estavam a crescer fortes, saudaveis e de cabecita para baixo... até às 33 semanas, quando a primeira se sentou... e por mais quiroprata que eu frequentasse, teimava em ficar sentada. Ponderei ir parir a Londres, onde havia profissionais que tinham experiencia em gemelares pélvicos mas nem resposta tive... 
Contactei uma obstetra particular que trabalha em Pt e nem me quis responder ela própria. A secretária disse que ou pagava a consulta e falava com ela ou nada feito. E depois ainda foi comentar a uma amiga minha que era sua cliente que eu "estava com medo e bloqueada emocionalmente". Ah pois estava! Era como um rato à procura da saída do labirinto. E depois? Se a procurei foi para me ajudar... não para me levar 150€ para me dizer que afinal não me podia ajudar.
Às 37 semanas, na consulta de rotina, a médica que substituía a minha que estava de férias, marcou me a cesariana para as 38. Eu recusei. Ela marcou à mesma e disse que assim era melhor caso eu mudasse de ideias entretanto e que se eu não quisesse vir, que ligasse a avisar. Pois eu bem que liguei mas ninguem me atendeu. Faltei à dita cesariana 😅
Mas nessa semana houve greve de enfermeiros e fiquei 8h à espera de um ctg no Hospital Público onde era seguida e os meus pés incharam e eu ja estava farta daquilo. Estava a sentir me a grávida mais infeliz e desgraçada à face da terra.
Liguei a uma amiga que me deu o contacto do Obstetra dela, particular. Liguei para o consultório. Recebeu me nesse mesmo dia, fiz lá o ctg e conversámos francamente por mais de 2h. Alinhou se connosco. Iria respeitar o nosso plano de parto, e o Pai e a Doula poderiam estar comigo. Sendo que estavam sentadas, o plano era esperar até eu entrar em TP para seguir para o hospital e se a primeira ainda estivesse sentada, fazer a cesariana, pois ele nao se sentia preparado para assistir a um parto gemelar pélvico...  acabamos por marcar a cesariana as 38+2 pois o médico tinha uma conferencia na semana seguinte e para termos o parto respeitado prometido teria que ser c ele. Valeu me outro anjo, o Mário, que na altura trabalhava no hospital privado onde decorreu o parto e fez me a caminha toda para o meu plano de parto ser respeitado pela equipa médica ❤





Mackie FL, et al. - The prediction, diagnosis and management of complications in monochorionic twin pregnancies: the OMMIT (Optimal Management of Monochorionic Twins) study.
 BMC, Pregnancy Childbirth. 2017. "Complications include twin-twin transfusion syndrome (TTTS) which affects 10-15% monochorionic twins, and if untreated has a 70-90% perinatal loss rate."

Trial of vaginal delivery for twins- Is it safe? A Single Center Experience.
Sadeh-Mestechkin D, et al. J Matern Fetal Neonatal Med. 2017 "The results support the contemporary practice of TOL for twins at term when the first is in cephalic presentation with no other contraindications."
[TRIAL OF LABOR AFTER CESAREAN IN TWIN GESTATIONS: DOES IT INCREASE MATERNAL OR NEONATAL COMPLICATIONS?]
Diamant H, et al. Harefuah. 2016. " A TOLAC in twin gestation seems to be a safe option for the mother and newborn. Fertility treatment is an independent risk factor for repeated CD in twins."

Obstetrical and perinatal complications of twin pregnancies: is there a link with the type of infertility treatment?
Deltombe-Bodart S, et al. Acta Obstet Gynecol Scand. 2017. "After adjusting for the maternal parameters and chorionicity, the twin pregnancies conceived via assisted reproductive technology were not at an increased risk of obstetric and neonatal complications. Moreover, the type of treatment did not alter the obstetric and neonatal complications. Therefore, the higher complication rate was related to the patient's medical specifics, rather than to the infertility treatment."
The role of maternal age in twin pregnancy outcomes.
McLennan AS, et al. Am J Obstet Gynecol. 2017."Although twin pregnancy is associated with increased risk for most adverse perinatal outcomes, this analysis did not find advanced maternal age to be an additional risk factor for fetal death and infant death. Preterm birth risk was relatively low for women in their late 30s. Risks for adverse outcomes were higher among younger women; further research is indicated to improve outcomes for this demographic group. It may be reasonable to counsel women in their 30s that their age is not a major additional risk factor for adverse obstetric outcomes in the setting of twin pregnancy."
The association between maternal height and pregnancy outcomes in twin gestations.
Tudela F, et al. J Matern Fetal Neonatal Med. 2016 "In twin pregnancies, maternal short stature is not associated with preterm birth, fetal growth restriction or cesarean section rate. This suggests that although anthropometric measurements have long been used to counsel patients in regards to outcomes, patients of short stature should be reassured that their height does not appear to lead to adverse twin pregnancy outcomes."



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