quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sobre o feminismo e o capitalismo

Que grandes palavrões que eu escolhi para escrever...
Ao longo dos anos tenho lido e ouvido as mais diversas opiniões sobre "o que é o feminismo". Umas dizem que é conseguir o reconhecimento de que as mulheres estão ao mesmo nível físico e mental que os homens e são tão boas como eles em qualquer campo. Outras defendem que o feminismo é precisamente o reconhecimento das diferenças que existem entre homens e mulheres (já está provado cientificamente que cada género tem mais aptência para determinadas tarefas) e o enaltecimento das qualidades femininas, desprezando a masculinização das mulheres que tem vindo a ser feita desde a 1ª guerra mundial...

É preciso escolher entre realização profissional e ordenado versus realização emocional e tempo em família.

Muito parlapéu. Bonito parlapéu.
Mas ao final do dia, quer sejamos feministas A ou feministas B, temos que (não há ordem preferencial, é mesmo tudo em simultâneo):

- ter a casa limpa e arrumada
- ter a roupa lavada (e engomada)
- ter a comida no prato
- ter as compras feitas
- alimentar os animais e limpar os dejectos
- regar as plantas
- ter as contas e impostos pagos (tratar de ver de prazos e proceder à sua liquidação)
- brincar e tratar dos nossos filhos
- estar com uma cara alegre (e de preferência com vontade para...)

Isto, quando não há acumulação com alguma festividade anual (Natal, aniversários, Páscoa, etc) ou jantares de amigos, em que para além de tudo isso, ainda temos que nos lembrar de que é naquele dia, preparar algo para levar ou ter pronto para as visitas...

Ah... E ainda:
- trabalhar para ganhar dinheiro para suportar os gastos, ou seja contribuir para a economia familiar

Mas espera aí...
Não será toda a lista de coisas que eu referi anteriormente uma contribuição para a economia familiar? Vejamos, se tivéssemos que pedir a alguém para fazer cada uma das tarefas que enumerei, teriamos que PAGAR por elas. Logo, a mulher, esposa, mãe, ao tratar dessas mesmas coisas está ACTIVAMENTE a contribuir para a economia familiar.

É um paradoxo, numa sociedade capitalista como a nossa onde "time is money", que as pessoas não se apercebam disso...

A verdade é que vivemos numa sociedade em que temos necessidade de fazer uma quota de compras por mês, de possuir um nº interminável de objectos - que passados uns meses temos que substituir - para sermos felizes. Ou fingirmos que somos.
E isso custa dinheiro.
Que temos que ganhar.
Trabalhando (geralmente fora de casa).

Aqui está um artigo muito interessante sobre as mulheres e a felicidade. Nele comparam o grau de felicidade das mulheres actuais com o das nossas avós e verificam que apesar de toda a autonomia feminina conquistada, as mulheres são menos felizes hoje do que há 70 anos. A autora elabora uma tese sobre como a nossa sociedade vive hoje da imediatez e da procura utópica pela felicidade suprema enquanto que as nossas antepassadas saboreavam o momento, eram gratas pelo que tinham, e sabiam que não há felicidade contínua. No entanto penso que o artigo peca quando refere que as nossas avós faziam mais trabalho do que nós devido à ausência da electricidade e equipamentos modernos. É certo que agora temos as tarefas mais facilitadas com estas duas opções, mas será que trabalhamos menos? Agora temos que trabalhar fora de casa e depois quando chegamos a casa. E geralmente sem ajuda suplementar que não seja uma mulher-a-dias 1 ou 2x por semana (para as sortudas). Ora, eu sei que ambas as minhas avós não eram ricas, mas vivam bem, e ambas quase sempre tiveram criadas em casa, que as ajudavam ou substituiam nas tarefas domésticas. Criadas que até iam de férias com elas. Ora hoje em dia o facto de ter uma criada é considerado fascista ou snobe (ou de gente rica); e ser uma tornou-se uma profissão rebaixante. Realmente também a classe média-baixa que se dispunha a isso viu o seu rendimento subir consideravelmente ao ponto de não precisarem de fazer esse serviço. Só em países menos desenvolvidos é que ainda se vê muito este sistema em famílias médias-altas.

Entretanto, na óptica do less is more e do slow movement, gosto muito de ouvir casais dizer que dão importância à primeira infância, que abdicaram de uma vida profissional total ou parcialmente para se poderem dedicar aos seus filhos e família (é também a minha opinião pessoal que tal se deve fazer periodicamente).

Mas e depois?
Quem é que custeia isso?
Quando não estão preparados para abdicar de um certo estilo de vida, como é que o seu casamento aguenta a pressão?
Os maridos sofrem em silêncio porque estão sobrecarregados com o orçamento familiar; ou aguentam, aguentam em silêncio até explodirem e nos acusarem de viver à custa deles...

E quando isso acontece, como fazem as mulheres que estão sem cheta? sem trabalho? Quando têm que justificar, como faziam as nossas bivós ou avós, cada centavo que precisam, cada compra que fazem? Que têm que submeter-se à avaliação de despesa para serem autorizadas a acometê-la...

Estou a trabalhar para obter um grau académico e tenho a meu cargo a logística familiar de uma casa com 3 pessoas e 2 gatos. Estou numa situação temporária em que vivo dependente de outrém.
Para a minha mente formatada de mulher "masculinizada", só esse facto é suficiente para diminuir a minha auto-estima. Para me sentir um fardo. Para me sentir inútil.
Sei que faço imenso, dentro e fora de casa, mas não sou remunerada por isso. Isso quer dizer que o que faço não tem valor?
Até que ponto é que uma mulher deve deixar de ser uma profissional para ser uma esposa/mãe?
Até que ponto é que temos que nos rebaixar porque sabemos que estamos a fazer o melhor para os nossos filhos (que é proporcionar-lhes mais tempo connosco, melhor alimentação, mais actividades em conjunto, etc)?

1 comentário:

Anónimo disse...

Moya,


fazer uma tese de doutoramente não é fácil para ninguém, seja homem, mulher, transgenger, com ou sem filhos, com ou sem bolsa, com ou sem marido, com ou sem trabalho remunerado e/ou doméstico adicional.

cuidar de uma criança nos primeiros anos de vida, não é tarefa fácil em para ninguém, em nenhuma das condições anteriores com ou sem tese de doutoramento à mistura.

Ser mãe, pela primeira vez e estar a fazer uma tese de doutoramento tendo, em cima, todas as outras actividades que sabemos serem necessárias, faz de ti uma das poucas mulheres no mundo a terem a coragem e a capacidade de empreender tal jornada. Tornas-te ainda mais rara porque tu e o teu marido optaram por criar a menina de forma não "convencional" o que te leva a um esforço físico acrescido (co-sleeping, amamentação em livre demanda etc...).

Dito isto, todo o texto transparece um mal estar que surge com a questão: "Até que ponto é que temos que nos rebaixar?"

Não temos que nos rebaixar. Fizemos determinadas opções porque no momento nos pareceram as melhores. Fizemos por amor às nossas famílias, fizemos por pensarmos ser o melhor para todos nós e não por ser o melhor para os nossos filhos.

Se alguma das opções que fizeste foi apenas em nome do bem-estar da tua filha e te faz sentir que te podes estar, de alguma forma, a "rebaixar", a não valorizar as tuas necessidades, pára, observa, analisa, sente e, se necessário, recua. Só assim poderás garantir que não vais acumular ressentimento.

Nada te garante que as opções que fizeres agora vão ter um impacto positivo no futuro da tua família e no futuro da tua filha. Se não parecem boas decisões para ti, agora, pára. A tua filha e o teu marido nunca te vão agradecer o que possas estar a fazer por eles. Tudo o que faças, faz por ti, não por eles. Se concluíres que, por ti, farias tudo o que estás já afazer, óptimo. Continua.

Isto faz sentido para ti?